No contexto do Congresso Anual da Federação de Sociedades de Autores Audiovisuais Latino-Americanos (FESAAL) realizado em 5 de novembro na Cidade do México, o debate sobre gênero ganhou destaque em uma troca de ideias que reuniu criadoras, roteiristas e representantes do setor audiovisual de todo o continente.
Mais do que discursos, este espaço trouxe à tona dados sobre desigualdade, apresentou propostas concretas para mudança e promoveu uma reflexão coletiva sobre os passos necessários para avançar em direção à equidade na indústria.
A diretora Carmen Guarini, Vice-presidente da DAC - Diretores Argentinos Cinematográficos - Argentina, destacou os esforços da FESAAL e da Confederação Internacional de Autores Audiovisuais (AVACI) para garantir a equidade nos cargos de decisão. “Há paridade no conselho executivo da FESAAL e da AVACI. Isso foi alcançado após muito trabalho e propostas surgidas em reuniões como a de Punta del Este”.
Estudos sobre a desigualdade de gênero
Os dados apresentados durante o debate refletem a disparidade de gênero no audiovisual latino-americano. A roteirista audiovisual e Secretária-Geral da GEDAR - Gestão de Direitos de Roteiristas - Brasil, Sylvia Palma, revelou que “apenas 20% das produções audiovisuais na região são criadas por mulheres e, dentro desse percentual, apenas 2% corresponde a mulheres negras. As mulheres indígenas nem sequer figuram nas estatísticas oficiais”.
Já a diretora e roteirista Alexandra Cardona Restrepo, Presidente da REDES (Colômbia), apresentou dados da OMPI e do FMI que destacam a importância econômica de reduzir a desigualdade de gênero.
Segundo um estudo da OMPI sobre a participação das mulheres nas indústrias criativas na América Latina, intitulado Uma questão de inteligência econômica, “reduzir essas desigualdades poderia aumentar o PIB dos países mais desiguais em até 35%. Essa análise vincula diretamente a representação feminina em cargos de liderança a um melhor desempenho financeiro, ressaltando o impacto tangível da equidade na indústria criativa”, explicou Cardona Restrepo.
Propostas para alcançar a equidade de gênero
Como resposta a essas disparidades, surgiram iniciativas que visam tanto à representação quanto à sustentabilidade das autoras audiovisuais. A criação de fóruns regionais que reúnam diretoras e roteiristas foi uma das principais propostas. Para Sylvia Palma, “esses fóruns permitiriam dar visibilidade às necessidades e pressionar por marcos legais que protejam os direitos autorais sob uma perspectiva de gênero”.
A diretora Inés de Oliveira Cézar, Prosecretária-Geral da DAC sugeriu incentivar a produção feminina por meio de benefícios específicos: “Em alguns países da Europa, projetos com equipes formadas por mulheres recebem maior apoio financeiro. O INCAA na Argentina tentou implementar isso, mas os fundos desapareceram. Precisamos recuperar essa ideia e dar visibilidade às nossas produções bem-sucedidas”.
Em sua exposição, Carmen Guarini destacou a implementação do Prêmio Gênero DAC como exemplo de visibilidade e apoio. Outras participantes sugeriram prêmios similares na FESAAL e na AVACI. “É uma forma concreta de nos destacarmos e promovermos nossas produções. Além disso, precisamos de plataformas que compilem e divulguem informações sobre as mulheres que estão trabalhando no audiovisual”, afirmou Inés de Oliveira Cézar.
Iniciativas de visibilidade e apoio às criadoras
A visibilidade das conquistas das mulheres no setor audiovisual foi outro tema recorrente. A roteirista e diretora Camila Loboguerrero, Vice-presidente da DASC - Sociedade de Diretores Audiovisuais da Colômbia - Colômbia, compartilhou sua experiência desenvolvendo um cineclube para destacar obras dirigidas por mulheres, “muitas das quais nem sequer aparecem nos créditos de suas produções”.
Por sua vez, Gloria López, Diretora-Geral da SOGEM - Sociedade Geral de Escritoes do México - México, destacou o papel das mulheres nas emissoras de televisão mexicanas: “80% das roteiristas na televisão são mulheres, e são elas que ganham mais. Isso demonstra que podemos avançar em direção a um respeito genuíno por nossas autoras”. O impacto financeiro da inclusão de mulheres no audiovisual ficou evidente não apenas nos dados macroeconômicos, mas também em exemplos concretos. Alexandra Cardona Restrepo ressaltou que “os setores criativos com maior participação feminina tendem a ser mais competitivos e rentáveis. É uma questão de justiça e também de economia. Ignorar o talento feminino é um desperdício que afeta toda a indústria”.
Desde o México, a experiência de Gloria López com as roteiristas de televisão marcou um contraste interessante. Enquanto as roteiristas dominam a televisão, sua influência no cinema e em outras áreas audiovisuais continua limitada. Esse caso demonstra que, com os acordos adequados, é possível avançar em equidade e rentabilidade.
A discussão terminou com um apelo coletivo à ação. A roteirista Daniella Castagno, Presidente da ATN - Sociedade de Diretores Audiovisuais, Roteiristas e Dramaturgos - Chile e Vice-presidente da AVACI, pediu que “as discussões sobre gênero não sejam relegadas a espaços improvisados ou de pouca relevância nos próximos congressos”. Cardona Restrepo também enfatizou a importância de trabalhar com colegas homens que apoiem a causa, transformando a FESAAL e a AVACI em plataformas de promoção da equidade. “Encontrei colegas homens maravilhosos nessa luta. Na FESAAL e na AVACI podemos nos tornar comunicadores dos benefícios que a participação ativa das mulheres traz para a indústria criativa”.
As vozes das autoras audiovisuais ouvidas no Congresso da FESAAL 2024 são um lembrete de que a mudança está em andamento, mas exige vontade política, recursos e, sobretudo, a determinação coletiva de seus protagonistas.
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